A "medida corajosa" do governo de Michel Temer, como classificou o
próprio peemedebista, de anunciar 57 projetos de concessão e
privatização de empresas públicas brasileiras mostrou que a
administração atual tem pressa. As intenções pareceram um tanto
nebulosas até para figuras experientes do país, como o economista Carlos
Lessa, que foi reitor da UFRJ e presidente do BNDES, e o economista e
professor Luiz Gonzaga Belluzzo. Os efeitos, por sua vez, parecem claros
para os quatro economistas consultados pelo Jornal do Brasil, de diferentes posicionamentos.
Os
entrevistados concordam que projetos como o da Casa da Moeda, por
exemplo, não representam um problema. Mas, com exceção de Adriano Lopes,
que vê benefícios, alertam para os problemas de outros projetos como o
da Eletrobras.
Para Lessa e Belluzzo, o projeto não apresenta um
referencial claro. Eles criticam a iniciativa e detalham suas
inconsistências e desconexões. Mauro Rochlin, professor da Fundação
Getúlio Vargas (FGV), apesar de acreditar que a intenção seria
apresentar uma "agenda positiva", chama a atenção para a forma "açodada"
-- ou precipitada, apressada -- como as coisas foram feitas, e que
parece estar mais atrelada aos interesses do mercado do que aos da
população. Adriano Pires, por outro lado, que aproveitou para destacar
questões mais problemáticas que teriam ocorrido nos governos Lula e
Dilma, aposta que se trata do que o país precisa.
O governo
federal anunciou na quarta-feira (23) um pacote de 57 projetos que serão
incluídos no Programa de Parcerias de Investimentos (PPI). Na lista
está a Casa da Moeda, 14 aeroportos, onze blocos de linhas de
transmissão de energia elétrica, 15 terminais portuários, rodovias,
Companhias Docas do Espírito Santo, Casemg e CeasaMinas, além de parte
da Eletrobras, que tinha sido anunciada antes.
'Não sabem direito o que fazem e muito menos o que falam'
O
economista Luiz Gonzaga Belluzzo, professor da Unicamp, alerta para as
inconsistências dos argumentos do governo, e traça um histórico recente
do setor energético brasileiro, para situar a questão da Eletrobras. O
professor resgata a rodada de privatizações realizada nos anos 1990 pelo
então presidente Fernando Henrique Cardoso, a maior parte
com distribuidoras e algumas geradoras, que garantiu um aumento
considerável no preço da energia, pelo modelo como foi formatado, entre
outras questões.
"O
Brasil passou a ter um custo Megawatt-hora (MWh) mais alto do mundo.
Entre 1996 e 2006, por exemplo, a subida dos preços foi da ordem de
350%, em valores nominais. Descontada a inflação, houve um aumento real
de custo da tarifa de 77%", frisa Belluzzo, que também chama a atenção
para o efeito nocivo deste movimento nas indústrias eletrointensivas,
muitas que deixaram de produzir no país, na área de metais não ferrosos,
por exemplo, entre outras que acabaram reduzindo a produção e
aumentando a importação.
"Isso também afetou gravemente o
investimento do sistema Eletrobras e, ao afetar, acabamos, entre outras
coisas, com o apagão do início dos anos 2000", destaca. "Isso tudo
decorre do declínio do investimento depois da privatização."
O
professor comenta que quem mora em São Paulo, como ele, percebe como
empresas como a Eletropaulo desmobilizaram todo o setor de reparo,
atendimento, entre outros serviços importantes. Belluzzo conta que,
quando fez parte do Conselho da Eletropaulo, inclusive, insistiu para
que questões como estas fossem vistas, mas o "interesse deles é mandar o
dinheiro para fora do país.
"
Beluzzo
também ressalta a importância do setor energético de um país contar com
planejamento de longo prazo, o que o país efetivamente nunca teve, a
não ser com um ensaio de algo parecido no governo Lula. Como exemplo de
iniciativa bem sucedida neste sentido, ele cita a China, que tem
um programa na área de energia que é o maior do mundo e que caminha com
"velocidade incrível".
"O que falta nesse caso é concepção estratégica. O
que sobra para os chineses, falta pra nós."
O economista ainda
alerta que propor um plano de privatização para acertar a situação
fiscal do país é algo espantoso, "inconcebível, num país que diz que vai
avançar".
"O presidente fala coisas desconexas. Desde o tempo que
estudei com ele na faculdade de Direito, inclusive, eu não sabia o que
ele estava falando exatamente. Ele sempre foi assim."
Sobre a
segurança energética, apontada por alguns como uma questão ameaçada pela
privatização da Eletrobras, o professor explica que o sistema de
energia brasileiro foi concebido para evitar transtornos regionais, de
forma integrada, com a coordenação da Eletrobras. Do jeito como foi
proposto pelo governo de Michel Temer, contudo, parece que "eles acham
que vendem retalho na Rua 25 de Março" ou que estão "operando as
finanças de uma família".
"Não têm noção nenhuma sistêmica."
O
governo anunciou a privatização da Casa da Moeda do Brasil (CMB)
alegando prejuízos recorrentes na estatal, mas números da empresa
mostram que a instituição registrou sucessivos superávits nos últimos
anos, de acordo com reportagem do Valor. "Isto que é
impressionante. Eles partem de informações e concepções totalmente
insubsistentes. Dá medo. Eles não sabem direito o que fazem e muito
menos o que falam."
"É a falta completa de uma concepção mais
ajustada do que está acontecendo na economia. É uma decisão em cima da
outra totalmente sem fundamento. Dá um pouco de receio de que eles, na
verdade, naveguem no escuro, sem instrumentos, numa tempestade. Vão
acabar jogando o avião no chão", alerta Beluzzo.
'Não vejo condições de que essas medidas tenham efetividade'
O
economista Mauro Rochlin, professor da FGV, acredita que a intenção do
governo de Michel Temer até poderia ser o de "criar uma agenda
positiva", "fazer parecer que tem uma agenda positiva", mas o próprio
programa de privatização demandaria um tempo de execução muito maior do
que o governo dispõe. Para ele, então, o anúncio é bem mais uma
tentativa de criar um fato de efeito do que um processo que se traduza
em maior receita, que seria o que o governo supostamente busca.
"Eu
acho que o governo está 'jogando pra galera'. Não vejo condições de que
essas medidas tenham efetividade", diz Rochlin, que destaca ainda que
tal projeto, feito de maneira "açodada",
"estabanada", "rouba a
pouquíssima credibilidade" que o governo ainda tem.
"Algumas medidas
causaram surpresa. Não que a própria privatização não seja em si boa,
mas, da forma que foi feita, açodada, como da Eletrobras... Não houve
nenhum debate. O próprio setor elétrico se encontra em fase
de reestruturação, fortemente afetado por medidas adotadas pelo governo
Dilma, em um setor que é estratégico. A energia elétrica tem que andar
na frente. Então demandaria uma análise mais cuidadosa", diz o
professor.
"Daí achar que as medidas vão muito mais na direção de
criar um suposta impressão de um governo atuante, mas que de fato
caminha mais no sentido de corresponder aos anseios do mercado do que
qualquer outra coisa", alerta.
Rochlin também comentou sobre o
fato de o governo falar em aumento de eficiência com a privatização,
como quem diz que a empresa do setor privado seria mais eficiente em
prol do lucro, não do consumidor.
Sobre a Casa da Moeda, Rochlin
aponta que se trata de uma "questão menor". "Ainda que ela desperte
curiosidade, pela conveniência de se privatizar uma empresa que
supostamente é estratégica do meio circulante no país, é um debate
irrelevante. A instituição não representa valores mais expressivos e a
própria operação pode ser feita perfeitamente por terceiros. Em nada sua
privatização representa maior ameaça, sob qualquer aspecto."
Para
Rochlin, em uma questão como a da fiscalização, não há diferença em
relação ao monitoramento de empresas públicas ou privadas.
'Existem momentos na história em que a ideia de futuro desaparece'
Carlos
Lessa, professor aposentado da UFRJ, ressalta que é "evidente" que o
plano apresentado pelo governo Temer não resolve a arrecadação -- que
depende da atividade econômica -- e que também não tem um referencial
claro. "A afirmativa de que só a privatização consegue acelerar
o crescimento nunca foi demonstrada pela história. O país tem que ter um
setor publico grande para funcionar bem. O discurso da privatização não
se funda", explica.
"Não há sociedade sem setor publico, não há
capitalismo."
Para
Lessa, não é possível privatizar o papel do setor público, "fundamental
para construir o futuro".
"Existem momentos na história em que a ideia
de futuro desaparece, some do horizonte, estamos em um momento deste
tipo."
O projeto de Michel Temer, defende Lessa, não apresenta
efetivamente um projeto. "Eu não sei bem o que está em discussão. Não é o
futuro, não tem nenhum projeto, não tem referencial claro. O discurso
da privatização é vazio."
No caso da Eletrobras, Lessa chama a
atenção para a importância de o Brasil ter a energia na frente de sua
atividade produtiva, e acrescenta que nenhum investidor investe sem
segurança neste setor.
"Por
isto se criaram empresas públicas e construidoras de energia. Se for
para manter o controle do poder público na Eletrobras, eu não tenho nada
contra vender ações. Aliás, quanto mais acionistas, melhor. Agora,
deixar na mão do setor privado, que pelo que eu saiba nada fez, neste
sentido, em termos do futuro, em eletricidade... Nenhuma empresa faz
investimento se não tiver segurança. Principalmente em uma economia como
a brasileira é que não podemos abrir mão do sonho de dispor de
eletricidade."
Sobre a Casa da Moeda, por outro lado, Lessa também
não acredita que seja um debate relevante.
"Extremamente relevante é a
questão da Eletrobras."
O outro lado: "O governo entendeu que a agenda positiva hoje é privatização"
Adriano Pires, sócio-diretor
do Centro Brasileiro de Infra Estrutura (CBIE), por outro lado, entre
muitas críticas aos governos do PT, diz que avalia bem a medida
anunciada, inclusive a privatização da Eletrobras, apesar de destacá-la
como uma "grande surpresa", ainda que positiva. "O governo entendeu que a
agenda positiva hoje é privatização. O destaque do pacote é a
privatização da Eletrobras, uma das 'vacas sagradas' das estatais
brasileiras. Ninguém imaginava, porque a Eletrobras tem um papel
semelhante ao da Petrobras. Mas o pacote mostra que o governo está vendo
que esta é a modernidade, o dinheiro é uma consequência."
Pires
acredita que a Lava Jato mostrou duas coisas "muito importantes para o
Brasil", a falência deste modelo político e também do modelo econômico.
Para ele, as estatais não vinham pertencendo ao povo, mas aos partidos e
seus grupos de interesse, como sindicatos, que governos anteriores
teriam adotado como privilegiadas.
"A
sociedade brasileira está cansada de dar dinheiro para essa turma, para
político, e para esse estado incompetente, ineficiente e corrupto. O
que a gente deveria entender é que não há dinheiro para tudo, o dinheiro
tem que ser investido em educação, segurança pública", justifica
Adriano Pires, que sugere construir agências reguladoras com quadro
técnico de excelência para fiscalizar as empresas privadas que vão
existir substituindo as estatais.
Adriano Pires também defende que
a notícia de privatização da Eletrobras foi "a melhor notícia do
governo Temer até hoje" e que demonstrou "coragem", entrando em sintonia
com o discurso do presidente Michel Temer.
"O PT quebrou a
Eletrobras e o governo do presidente Temer, através do ministro, teve
coragem e sensatez. Não adianta cair na política de enxugar."
Pires
elogiou o modelo proposto, com emissão de ações para "diluir o peso" do
Estado brasileiro na Eletrobras e criar uma corporação, e apontou que
este modelo existe em outras partes do mundo, como com a Shell e a
própria Vale e a Embraer.
Sobre a questão da segurança energética,
ele justifica que esta é uma coisa que o Brasil não teria desde a MP
579, de setembro de 2012. A partir de então, acredita Pires, o país não
teve falta de energia, apagão, porque a economia brasileira não cresceu.
"Mas se a economia brasileira voltar a crescer, pode ter problema."
Já
sobre a possibilidade de um aumento na tarifa, Pires diz que se trata
de outra "bobagem". "Em um primeiro momento pode até não ter redução,
mas em um segundo momento teremos uma empresa mais ágil, mais eficiente,
com acesso a mercado de capital, dinheiro mais barato, tarifas mais
baratas."
Ele reforça que, entre o final de 2012 e início de
2013, o governo anunciou redução de 20% nas tarifas de energia, em um
momento em que as tarifas estavam aumentando e os reservatórios
esvaziando, com o propósito de segurar a inflação, o que, para ele, "foi
um estelionato por parte da então presidente, que, em janeiro de 2015,
anunciou um "tarifaço" de 70%.
"Nunca na história houve uma
elevação de tarifa tão grande quanto esta que a Dilma fez em janeiro de
2015. Se tiver aumento de tarifa no primeiro momento com a privatização
da Eletrobras, vai ser muito menor do que aquela."
Sobre a Casa da
Moeda, Pires também reforça que esta não precisa ser estatal, e cita a
ex-primeira-ministra britânica, Margaret Thatcher. "O que acontece é o
seguinte, nessas empresas estatais, quem paga a conta é o contribuinte
brasileiro. Como dizia Margaret Thatcher, não existe dinheiro público,
existe dinheiro do contribuinte. Eu acho que o principal legado da
privatização não é o dinheiro, mas sim o aumento da eficiência,
o beneficio para o contribuinte. Além do contribuinte botar menos
dinheiro em empresas corruptas, empresas privatizadas tendem a pagar
mais impostos para o país."
Fonte: Jornal do Brasil
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